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10 de julho de 2011

Lealdade ...



"Para meu desespero, Hassan continuou tentando fazer as coisas entre nós voltarem às boas. Lembro da última vez. Estava no meu quarto, lendo uma versão abreviada do Ivanhoé traduzido para o farsi, quando ele bateu à porta.
— O que é?
— Estou saindo para comprar naan — respondeu ele do outro lado da porta.
— Estava pensando se você... se você não queria vir comigo...
— Acho que prefiro continuar lendo — respondi, esfregando as têmporas. Nos últimos tempos, sempre que Hassan estava por perto, eu ficava com dor de cabeça.
— Está fazendo sol — disse ele.
— Estou vendo.
— Pode ser divertido dar um passeio.
— Vá você.
— Gostaria que viesse comigo — insistiu ele. E se calou. Algo esbarrou na porta, talvez a sua testa. — Não sei o que foi que eu fiz, Amir agha. Queria que me dissesse. Não sei por que não brincamos mais juntos.
— Você não fez nada, Hassan. Agora, vá embora.
— Pode me dizer o que foi. Não vou fazer nunca mais.
Enterrei a cabeça no peito, apertando as têmporas com os joelhos como se fosse um torno.
— Vou lhe dizer o que não quero mais que faça — disse-lhe então, com os olhos bem fechados.
— Pode dizer.
— Quero que pare de me perturbar. Quero que vá embora — exclamei. Desejei que ele revidasse, que arrombasse a porta, que me dissesse poucas e boas. Assim, seria mais fácil; tudo ficaria melhor. Mas não fez nada disso e, quando abri a porta, minutos depois, ele já não estava ali. Desabei na cama, enfiei a cabeça debaixo do travesseiro, e chorei.
Depois disso, Hassan ficou circulando pelas beiradas da minha vida. Eu tomava todas as precauções para que os nossos caminhos se cruzassem o mínimo possível, planejando os meus dias neste sentido. Porque, quando ele estava por perto, o oxigênio desaparecia do aposento. Sentia o peito apertado e tinha dificuldade para respirar; ficava ali, sufocando na minha bolhazinha de atmosfera absolutamente abafada. Mas mesmo quando ele não estava por perto, estava presente. Estava nas roupas lavadas e passadas sobre a cadeira de assento de palhinha, nos chinelos aquecidos deixados diante da porta do meu quarto, na lenha que já ardia no fogareiro quando eu descia para tomar o meu café da manhã. Para onde quer que eu me virasse, lá estavam os sinais da sua lealdade, da sua maldita lealdade inabalável. "

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