"Para meu desespero, Hassan continuou tentando fazer as coisas entre nós voltarem às boas. Lembro da última vez. Estava no meu quarto, lendo uma versão abreviada do Ivanhoé traduzido para o farsi, quando ele bateu à porta.
— O que é?
— Estou saindo para comprar naan — respondeu ele do outro lado da porta.
— Estava pensando se você... se você não queria vir comigo...
— Acho que prefiro continuar lendo — respondi, esfregando as têmporas. Nos últimos tempos, sempre que Hassan estava por perto, eu ficava com dor de cabeça.
— Está fazendo sol — disse ele.
— Estou vendo.
— Pode ser divertido dar um passeio.
— Vá você.
— Gostaria que viesse comigo — insistiu ele. E se calou. Algo esbarrou na porta, talvez a sua testa. — Não sei o que foi que eu fiz, Amir agha. Queria que me dissesse. Não sei por que não brincamos mais juntos.
— Você não fez nada, Hassan. Agora, vá embora.
— Pode me dizer o que foi. Não vou fazer nunca mais.
Enterrei a cabeça no peito, apertando as têmporas com os joelhos como se fosse um torno.
— Vou lhe dizer o que não quero mais que faça — disse-lhe então, com os olhos bem fechados.
— Pode dizer.
— Quero que pare de me perturbar. Quero que vá embora — exclamei. Desejei que ele revidasse, que arrombasse a porta, que me dissesse poucas e boas. Assim, seria mais fácil; tudo ficaria melhor. Mas não fez nada disso e, quando abri a porta, minutos depois, ele já não estava ali. Desabei na cama, enfiei a cabeça debaixo do travesseiro, e chorei.
Depois disso, Hassan ficou circulando pelas beiradas da minha vida. Eu tomava todas as precauções para que os nossos caminhos se cruzassem o mínimo possível, planejando os meus dias neste sentido. Porque, quando ele estava por perto, o oxigênio desaparecia do aposento. Sentia o peito apertado e tinha dificuldade para respirar; ficava ali, sufocando na minha bolhazinha de atmosfera absolutamente abafada. Mas mesmo quando ele não estava por perto, estava presente. Estava nas roupas lavadas e passadas sobre a cadeira de assento de palhinha, nos chinelos aquecidos deixados diante da porta do meu quarto, na lenha que já ardia no fogareiro quando eu descia para tomar o meu café da manhã. Para onde quer que eu me virasse, lá estavam os sinais da sua lealdade, da sua maldita lealdade inabalável. "